Bicho papão.


Sabe, vou te contar uma história nada legal,quer ouvir? Acomode-se.

Uma vez vagando por entre corpos, pensamentos, edifícios, árvores e flores, avistei uma menina de cabeça baixa, de olhos profundos sem muita expressão sentada num balanço em um parquinho com um ursinho de pelúcia branco de laço azul, enquanto isso seus amigos em volta chamavam-na para ir brincar juntos à eles, porém ela se negava.
O que poderia ter uma menina de cinco anos de tão triste? É essa a fase das fantasias, brincadeiras intermináveis e de aprendizado. Mas não era o que ela aparentava ter.
Resolvi passar um tempo com ela, pelo menos até o sol nascer do dia seguinte para ver se descobria algo. No entardecer acompanhei a garotinha que voltava sozinha para sua casa, agarrada ao seu ursinho.
Em casa ninguém parecia notar a mudança de sua filha e todos agiam conforme a rotina.
Quando chegava hora de dormir, ela, arrastando seu ursinho pelo chão pedia e pedia para que pudesse dormir com sua mãe.
Quando a mãe perguntava o porquê ela respondia que tinha medo do “bicho papão”.
A resposta da mãe e do pai eram óbvias e sempre as mesmas:

- Não existe bicho papão. Vai-te deitar menina. (e risos)

Seu pai dizia rindo:

- Como essas crianças imaginam coisas. Bobinha!

De início achei bonitinho esse medo que as crianças têm de bicho papão ou qualquer coisa que faça algum barulho, como por exemplo, eu. Até achei graça, confesso.
Seu quarto era a coisa mais meiga e delicada. As cores azuis e rosa contrastavam com o branco. Era o mundo dela.
A noite ia se passando e a menina sequer conseguia fechar os olhos que inquietamente vasculhava por entre todo o quarto.
Quando por fim veio a madrugada ela consegui cair no sono. Ela agarrava firmemente seu ursinho de pelúcia branco de laço azul.
Deliciava-me vendo seu rosto angelical, num sono profundo. Parecia ate que estava tendo um lindo sonho. Sua respiração era bem tranquila.
De repente em meio ao escuro, silenciosamente surge uma sobra.
A graça estava por terminar.
Não me assustei, pois ninguém consegue me enxergar, apenas me sentir. Porém eu não sou algo que pode oferecer risco a ele, então apenas observei.
A sombra se movia lenta e silenciosa, na direção da pequena garota.
Assustei-me, mas foi só então que percebi qual era o “bicho papão” de que a pequena tanto tinha medo.
Esse bicho era conhecido como “papai”
Ele se deitava ao lado da pequena, despia as partes intimas e começava alisar a pequena garota. Ele ia baixando lentamente o pijaminha de ursinho dela, carregava suas mãos pesadas por entre seu pequeno corpo. Beijava lentamente sua lisa pele com seus lábios ásperos e árduos. Quando a pequena acordava lá estava ele com sua mão nas partes intimas e friccionando seu membro por entre as pernas dela, deixando rastros de sêmem.
Era abominável assistir aquilo.
No quarto lágrimas molhavam o travesseiro e gemidos ecoavam pelo ar.
Eu não podia fazer nada, a única coisa que era capaz era de desejar a morte à aquele desgraçado. Meu ser ficou em fúria e acabei por fazer as janelas baterem com força. O homem a principio ficou quieto, mas logo continuou a atrocidade.
A mãe assustada acordou e percebeu a ausência do marido, se levantou e saiu a sua procura passo a passo em silencio, temendo que estivesse acontecendo algo, e, de fato estava.
Ela andou pela cozinha, pela sala, área de serviços e nada, foi quando resolveu ir até o quarto de sua filha. Chegando perto ouviu gemidos e isso deixou-a intrigada.
Ela observou o que se passava pela fresta da porta e vendo aquilo, numa mistura de raiva, indignação, tristeza e todo sentimento que você caro leitor também pode estar sentido.
No entanto ao invés de entrar e impedir, ela saiu dali aos choros, abafando para que não ouvissem ela. Ela foi até seu quarto.
Eu não suportava mais tudo aquilo, e vendo que nem a própria mãe foi capaz de impedir e salvar sua filha me bateu um desespero e indignação extrema.
Como poderia a mãe deixar aquilo acontecer com sua filha, chorar e sair a correr apenas? Em que mundo eles vivem?Eu me perguntava.
Surge então ele. Ele que é sempre visto como vilão, alguém que não o via há algum tempo, alguém cujo seu livro traz inúmero nomes e histórias. Era a morte em “pessoa” ali ao meu lado.
A morte então me disse:

- Pra quem não gostava do meu trabalho, já me solicitou até de mais hein.

E eu lhe respondi:

- O que veio fazer aqui dona morte?

Ela apenas me disse:

- Atender seu desejo meu caro amigo!

Diante da situação eu não consegui entender muito bem, mas sabia que algo ali fazia sentido.
Ouvi então passos apressados no corredor e luzes sendo acesas.
O pai percebeu e entrou em desespero. A filha já nem tinha mais lágrimas para derramar.
A mulher abriu a porta furiosamente e acendeu a luz. A sombra tomou cor.
O pai ficou disperso com a claridade e perguntou a mulher:

Mulher, o que você esta...

Ela o interrompeu num simples gesto de erguer o pulso e colocar a mostra a brilhante imagem de uma pistola automática que ficava guardado no aposento do próprio.
A mãe pedia aos gritos que a filha saísse do quarto.
Nisso a morte olhou para mim e perguntou:

- Conseguiu entender amigo?

Quando a menina por fim saiu aos choros a mãe fechou a porta.
O marido ia tentar a se explicar quando a mulher deu seu primeiro tiro aos prantos e xingos de tudo aquilo que você poderia e tem em mente.
Ela fez vários disparos. Só se via sangue para todo lado. Na parede ficaram tatuadas da cor viva do vermelho ainda quente.
A mulher vendo que ainda-lhe restava um fio de respiração, terminou de descarregar a arma sobre seus orgãos genitais. Não restou nada pra contar historia.
Nem ela mesmo conseguiu acreditar do que fora capaz de fazer. A mulher desabou em si.
A morte depois de suas anotações em seu livro disse-me:

- Bom hoje creio que ninguém está pra papo, então estou de saída. Quando precisar me chame, terei o prazer em atender!

Eu não sabia bem como dizer mas agradeci:

- Obrigado.

A morte em saída atravessou a porta dizendo sua famosa frase:

- Ai ai, humanos, humanos... tolos!

A mãe foi correndo em direção a menina e deu o abraço mais apertado que já tivera dado. As lágrimas se misturavam, ali agora só havia beijos e pedidos de desculpas.
Desculpas estas que não adiantarão, pois ela jamais esquecerá tudo que o passou. Porem o que aquela criança entendia de rancor? Nada.
Ela foi apenas capaz de dizer:

- Eu te falei mamãe que tinha bicho papão, eu tinha muito medo mas você nunca acreditou.

A mãe disse ainda apertando a filha entre seus braços:

- Perdão minha filha, jamais deixarei alguém fazer algum mau a você minha princesa!Você é tudo que eu tenho querida!

O vizinho com todo o barulho chamou a polícia e esta já estava na porta de casa. Pela janela entravam o barulho das sirense e o giroflex pintava de azul e vermelho a cor da noite.
Passado uma semana aconteceu o enterro daquele que chamavam de pai e marido. Nem os próprios familiares tiverem a coragem de aparecer. Os parentes e amigos da vitima não quiseram aparecer no enterro de alguém repugnante que não merecia nem mesmo as únicas presenças de sua filha e mulher.
Havia um padre, o coveiro, a pequena e a mãe.
Ao fundo a musica “Ave Maria”, enquanto o padre fazia suas orações.
No momento de tampar a cova onde o caixão já estava depositado, a menina jogou seu pijaminha sobre o caixão, afim de esquecer tudo que já sofre, afim de poder novamente encontrar um motivo pra viver e sorrir ao lado da mãe. O que infelizmente não aconteceria.
Após alguns meses a mãe foi julgada pelo assassinato e foi condenada a 7 anos de prisão.
Foi mais uma tristeza para a menina. Primeiro o abuso do pai e a perda. Agora a separação da mãe.
A mãe, conhecendo o país em que vivia e suas lei, e, com um ar de conformada mas de dever cumprido, aceitou o a sentença.
Na despedida de sua mamãe a garota entregou seu único amigo e companheiro nos tempos de tristeza: seu ursinho de pelúcia. E disse:

- Toma mamãe, é pra você nunca dormir sozinha, cuida bem dele, ta?!

A mãe ao choro disse:

- Te amo minha filha! Eu vou cuidar bem dele sim e prometo de dar um bem grande quando a mamãe sair! Te amo!

E assim a mãe foi pra um lado e a menina com os tios para o outro.

Passado certo tempo numa certa noite, a menina antes de deitar falou à sua tia:

- Tia, posso dormir com você? Tem bicho papão no quarto.

Eles apenas riram e mandaram-na ir se deitar.

Não se preocupe. Agora esse bicho papão sou eu, que sempre mecho a janela quando faço visitas à ela enquanto dorme.


(TANIMOTO, Elam)



Textos com a presença da morte:

Sida.
Um pequeno Papo.

8 comentários:

Elam... esse texto, como muitos dos seus outros, prendeu minha atenção e fez querer ler mais e mais... novamente lhe dou os parabéns pela riqueza de detalhes e pelo assunto que escolheu... um assunto tão polêmico que é vivido por muitas famílias... crianças que são abusadas dentro e fora de casa e os pais (normalmente a mãe) nem têm conhecimento do que se passa, detalhes que lhes fogem, vidas que acabam sendo desgraçadas e crianças que se tornam traumatizadas... esse é um problema mundial...

novamente Parabéns pelo texto... =D

bjoo *-*

 

achei exagerado

pode-se fazer uma crítica a pedofilia sem esses tipo de detalhes
afinal ngm qr saber como foi
somente qremos que pare
(:

 

Caro : Anonimo!
Grato pela visita e espero que volte mais vezes.
A intenção era mesmo retratar em uma história, porém compreendo sua opinião.
Quem sabe numa proxima ao se tratar de assuntos assim eu possa reaver sua opinião.

Volte sempre!

 

chega a ser engraçado... eu parabenizando pela riqueza de detalhes e o Anônimo dizendo "afinal ngm qr saber como foi"... não generalize a sua opinião... pois a minha não é igual a sua... e sim, acho que é isso que as pessoas precisam ver, a riqueza de detalhes que choca, o fato está ai, nú e crú e ninguém enxerga. Além do mais, isso é arte, quer o fato? leia VEJA... mas como cada um tem sua opinião, respeito o seu direito.

=D

 

PARABENS, PARABENS, PARABENS
esta perfeito, bem escrito, otima linguegem
toda vez que venho aqui me surpreendo com suas palavras...
Vc é um genio.
Ate mais
bju

 

Elam...
Parabens mais uma vez!!!

Essa realidade muitas vezes fica escondida...mas infelizmente existe...

Otimo texto!!!

Bjooo

 

Mais um ótimo texto, Elam!
Parabéns!

Um tema muito bem escolhido e retratado de forma bastante impactante.

 

Elam!
você, em cada texto que eu leio, me surpreende mais e mais!
Amei esse texto!
e como já lhe disse antes.. "é o verdadeiro retrato da realidade!"
continue assim... e pense bem na ideia de um dia se tornar escritor!
=)
Beijos, Char!

 

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